quarta-feira, 25 de março de 2009
domingo, 22 de março de 2009
SEMANA DA ESCOLA
sábado, 21 de março de 2009
«O real e o virtual coexistem, e entram num estreito circuito que nos reenvia constantemente de um para outro. Já não é uma singularização, mas uma individuação como processo, o real e o seu virtual. Já não é uma actualização mas uma cristalização. A pura virtualidade já não tem de se actualizar uma vez que é estritamente correlativa do real com o qual forma o circuito mais pequeno. Já não há inassinabilidade do real e do virtual, mas indiscernibilidade entre os dois termos que se trocam. […] A relação do real e do virtual constitui sempre um circuito, mas de duas maneiras: tanto o real reenvia para virtuais como para outras coisas em vastos circuitos, onde o virtual se actualiza, como o real reenvia para o virtual como para o seu próprio virtual, nos mais pequenos circuitos onde o virtual cristaliza com o real.»
Gilles Deleuze, Diálogos
se passe num laboratório?
Debaixo de uma lâmpada de dia,
à noite debaixo de biliões?
Talvez sejamos gerações experimentais?
Despejados de recipiente em recipiente,
agitados nas retortas,
observados por algo mais que o olhar,
um a um
enfim seguros na ponta das pincetas?
Talvez de outro modo:
nenhuma intervenção?
As mudanças vão ocorrendo por si
de acordo com o plano?
A agulha de registo desenha devagar
os ziguezagues previstos?
Talvez até agora nada de interessante haja em nós?
Os monitores de controlo raramente são ligados?
Só quando há guerra e grande de preferência,
alguns voos para além deste torrão,
migrações importantes do ponto A ao B?
Talvez pelo contrário:
lá apreciem somente em episódios?
Eis no grande écran uma pequenita
a coser um botão na sua manga.
Apitam os sensores,
acorre o pessoal.
Que espécime é este
de coraçãozito a bater no meio!
Que graciosa atenção
ao enfiar da linha na agulha!
Alguém entusiasmado grita:
Chamem o Chefe!
Ele que venha ver com os próprios olhos.
Wislawa Szymborska (tradução de Júlio Sousa Gomes)
quarta-feira, 18 de março de 2009
Uma das questões que se colocam no filme Matrix é a de saber porque é que é melhor saber a verdade sobre a matrix e portanto conhecer a realidade adversa ou, por outro lado, manter-se na ilusão, na matrix conformado e tranquilo.
O filme sugere inúmeros problemas filosóficos passíveis de debate. Problemas estes já abordados de alguma forma por vários autores ao longo da história da filosofia e outros que se nos colocam contemporaneamente de forma nova.
Este problema mencionado no início, a saber, se é preferível a verdade ou a ilusão, pode ser identificado com um tema clássico da Filosofia Política que se pergunta se faz sentido a ideologia política vigente e os valores vigentes ou se será melhor a libertação de uma ideologia propagandística mediante a mudança de paradigma, isto é, mediante a revolução.
Sem querer antecipar o debate que será realizado, pode-se dar atenção a um ou dois aspectos deste problema. Por exemplo, pode-se pôr em questão porque é que na tradição cultural ocidental é moralmente reprovável escolher a ilusão em vez da verdade. Porque é que, apresentado de outra forma, é imoral aceitar uma utopia que mistifica um povo, uma ditadura de direita ou de esquerda como se constituíram no passado?
Colocando a pergunta de uma forma mais contemporânea seria o equivalente a perguntar porque é que é imoral aceitar a ilusão do Eldorado e da riqueza que a ideologia capitalista liberal propõe.
Contudo, estas perguntas às quais imediatamente acedemos com uma resposta mais ou menos emocional, mais ou menos pensada e fundamentada, tapam por sua vez outras perguntas de base sem as quais não se pode responder com real importância se não se lhes der atenção. Ou seja, temos de recuar ou descer um patamar aos fundamentos do que está em questão para podermos ter uma conversa sobre isso que valha a pena.
Por exemplo, quando nos perguntamos porque é que a verdade é melhor que a ilusão de um ponto de vista moral temos de ter clarificado anteriormente o que é uma moral, qual é a nossa moral e que justificação (ética ou filosófica) temos para defender esta moral em vez de outra ou de nenhuma.
Outra pergunta de base que se deve colocar quando se pergunta porque é que moralmente a verdade é preferível à ilusão é: afinal o que entendemos por verdade ou o que é para nós a realidade e como podemos provar isso.
Por fim, e a título de exemplo, duas últimas perguntas que subjazem a esta pergunta (porque é que moralmente é preferível a realidade ou a verdade em vez da ilusão) – se procurar a verdade implica cortar com a ilusão presente, e portanto fazer uma revolução material, ideológica e/ou política, como podemos provar que a revolução trará uma mudança ou apenas uma outra ilusão?
E, por fim, como podemos provar ou saber se mais alguém, além de nós próprios, quer a revolução, ou que direito temos de forçar os outros a aceitar aquilo que tomamos pela realidade?
Estas são apenas algumas propostas de debate que este tema e este filme rico em dúvidas e ideias promove. Gostaria de convidar todos os interessados a duvidarem e a participarem nos debates que se realizarão nos próximos dias neste âmbito.
Tecnologias do Oriente e do Ocidente
a propósito do Matrix
Alice Santos
Embora não seja ainda um paradigma tornado senso comum, a física quântica coincide em muitos aspectos com ideias orientais milenares acerca da estrutura do universo: a mente (sujeito) não é uma entidade separada do mundo (objecto) e aquilo que pensávamos ser matéria inerte é ( e sempre foi para algumas escolas espirituais do Oriente) um imenso mar de energia no qual as formas diferenciadas aparecem e desaparecem. Para a teoria da relatividade, o espaço e o tempo são construções da mente. Nunca como hoje as bases metafísicas da ciência estiveram tão consistentemente lançadas. A proposta da mecânica quântica vem contrariar um materialismo técnológico de endeusamento de uma razão que acaba no sofrimento da separatividade e falta de sabedoria ( produtos da física dualista newtoniana). Por outro lado, a proposta da física quântica reúne as condições para a consumação de um encontro profícuo com saberes milenares ou o que tem sido designado por tecnologia psicoespiritual.
As pessoas, concebidas como entidades isoladas, acorrentadas ao sofrimento, doença, medo e morte será fruto de ilusão ou de realidade? Como realizar então a busca de liberdade e de felicidade comuns à humanidade inteira? Para a física quântica e escolas de Hatha-Yoga (que nasceram do Tantrismo), a entidade física isolada não passa de uma ilusão; o chamado mundo objectivo é uma projecção da mente. A imagem do Hinduísmo clássico de Shiva Natarâja ou “Senhor da Dança” que, ao dançar, cria perpetuamente os ritmos do universo, os ciclos de criação e de destruição, a própria realidade, fascinou profundamente vários físicos quânticos.
Mas a realização suprema, conhecida como libertação ou iluminação, é, em última instância inefável: está para além do discurso. Por isso, quando o adepto realizou o Si Mesmo e quer falar sobre a sua realização ou estado de unicidade e individualidade, tem de recorrer a metáforas, imagens e alegorias. Para nós o filme Matrix é uma excelente alegoria à viagem de autoconhecimeto e de autotranscendência da unicidade corpo-mente do ser humano em busca da liberdade. No filme, a mente gera mundos, transportando-se para espaços e tempos diferenciados, fruto da sua própria concepção; o corpo é divinizado em templos dedicados à dança e ao amor, em rituais afirmativos da libertação no mundo e não do mundo.
domingo, 15 de março de 2009
PROJECTO MATRIX
A máquina de experiências
«Suponham que existe uma máquina de experiências capaz de nos fazer viver qualquer experiência que desejarmos. Neuro-psicólogos esmerando-se no engano poderiam estimular o vosso cérebro, de tal modo que acreditariam e sentiriam estar a escrever um grande romance, arranjar amigos ou a ler um livro interessante. Durante todo esse tempo, estariam a flutuar num reservatório com eléctrodos fixados ao vosso crânio. Será que ligariam essa máquina à vossa vida, estabelecendo antecipadamente um programa de experiências da vossa existência? Se receassem falhar alguma experiência desejável, podemos supor que empresas comerciais já fizeram investigações aprofundadas sobre a vida de inúmeras pessoas. Podem, assim, escolher na sua grande biblioteca ou no seu menu de experiências, seleccionando as experiências da vossa vida para os próximos dois anos, por exemplo. Decorridos esses dois anos, teriam dez minutos ou dez horas, fora do reservatório para escolher as experiências dos vossos próximos dois anos. Certamente que, uma vez no reservatório, deixariam de saber quem eram; pensariam que tudo acontece verdadeiramente. Outros podem ainda conectar-se para conhecer as experiências que desejam, mas não é necessário ninguém ficar desconectado para ajudar os outros (não se preocupem com problemas como o de saber quem opera as máquinas se toda a gente se conectar). Conectar-se-iam ainda assim? Que outra coisa nos pode preocupar que não seja o modo como sentimos a nossa existência interior? Não devem abster-se devido a alguns instantes de perturbação que separam o momento da vossa escolha e o momento em que se ligam à máquina. O que representa um momento de perturbação em comparação com uma vida de felicidade (se assim a escolherem), e porque sentir a mínima perturbação se a vossa decisão é a melhor?
O que nos interessa além das nossas experiências pessoais? Em primeiro lugar, nós queremos fazer certas coisas e não contentarmo-nos em ter a experiência de as fazer. No caso de certas experiências, é somente porque nós queremos, antes de mais, realizar as acções que desejamos ter experiência de as executar ou pensar que o fizemos. (Mas porque desejamos realizar esses actos e não apenas contentarmo-nos em ter essa experiência?) Uma segunda razão para não nos conectarmos, é que queremos ser de uma certa maneira, ser tal ou tal tipo de pessoa. Alguém em vias de flutuar num reservatório é um ponto indeterminado. Não existe resposta à questão: «A que se assemelha uma pessoa que permanece muito tempo num reservatório?» Essa pessoa é corajosa, boa, inteligente, brilhante, afectuosa? Não é que seja simplesmente difícil de responder: Ela não chega a ser nada. Conectar-se a uma máquina é um modo de suicídio. Pode parecer a alguns, presos a uma imagem, que nada do que possamos ser conta se não na medida em que isso se reflecte nas nossas experiências. Mas deveremos surpreender-nos porque nos importamos com o que somos? Por que nos preocupamos apenas com o modo como preenchemos o nosso tempo e não com o que somos?
Em terceiro lugar, o facto de nos conectarmos a uma máquina de experiências limita-nos a uma realidade artificial, a um mundo que não é nem mais profundo nem mais importante do que o que as pessoas podem construir. Não há verdadeiro contacto com uma realidade mais profunda, embora essa experiência possa ser simulada. Muitas pessoas desejam permanecer abertas a tais contactos e podem sondar significados mais profundos*. Isso torna mais claro o nível do conflito respeitante às drogas psicoactivas, que alguns consideram como simples máquina de experiências parciais, e outros como aberturas para uma realidade mais profunda; onde alguns vêem motivos para se conectar à máquina, outros vêem precisamente razões para não a experimentar.»
Nozick, Anarquia, Estado e Utopia (extracto)
* As visões religiosas tradicionais diferem acerca do ponto de contacto com a realidade transcendente. Algumas afirmam que o contacto produz uma felicidade eterna ou Nirvana, mas elas não estabelecem uma diferença relevante entre a felicidade e uma simples utilização mais longa da máquina de experiências. Outras pensam que é intrinsecamente desejável realizar a vontade de um ser superior que nos criou, embora seja muito provável que ninguém pensaria assim, se descobrissem que tinham sido criados como objectos de diversão por uma criança extremamente poderosa vivendo noutra galáxia ou noutra dimensão. Outras ainda imaginam que é possível fundir-se com uma realidade mais elevada, deixando na sombra o grau de relevância de uma operação dessas, ou a questão de saber onde nos leva essa fusão.
quarta-feira, 11 de março de 2009
O filme MATRIX...
« Eis uma possibilidade de ficção científica discutida pelos filósofos: imagine-se que um ser humano (pode imaginar que é você mesmo) foi sujeito a uma operação por um cientista perverso. O cérebro da pessoa (o seu cérebro) foi removido do corpo e colocado numa cuba de nutrientes que o mantém vivo. Os terminais nervosos foram ligados a um supercomputador científico que faz com que a pessoa de quem é o cérebro tenha a ilusão de que tudo está perfeitamente normal. Parece haver pessoas, objectos, o céu, etc.; mas realmente tudo o que a pessoa, (você) está experienciando é o resultado de impulsos electrónicos deslocando-se do computador para os terminais nervosos. O computador é tão esperto que se a pessoa tenta levantar a mão, a retroacção do computador fará com que ela «veja» e «sinta» a mão sendo levantada. Mais ainda, variando o programa, o cientista perverso pode fazer com que a vítima «experiencie» (ou se alucine com) qualquer situação ou ambiente que ele deseje. Ele pode também apagar a memória com que o cérebro opera, de modo que à própria vítima lhe parecerá ter estado sempre neste ambiente. Pode mesmo parecer à vítima que ela está sentada e a ler estas mesmas palavras sobre a divertida mas completamente absurda suposição de que há um cientista perverso que remove os cérebros das pessoas dos seus corpos e os coloca numa cuba de nutrientes que os mantém vivos. Os terminais nervosos é suposto estarem ligados a um supercomputador científico que faz com que a pessoa de quem é o cérebro tenha a ilusão de que… […]
Em vez de ter apenas um cérebro na cuba, podíamos imaginar que todos os seres humanos (talvez todos os seres sencientes) são cérebros numa cuba (ou sistemas nervosos numa cuba no caso de alguns seres apenas com um sistema nervoso mínimo considerado já como «senciente»). Naturalmente, o cientista perverso, teria que estar de fora – estaria? Talvez não haja nenhum cientista perverso; talvez (embora isso seja absurdo) aconteça simplesmente que o universo consista num mecanismo automático cuidando de uma cuba cheia de cérebros e sistemas nervosos.
Agora suponhamos que o mecanismo automático está programado para nos transmitir uma alucinação colectiva, em vez de uma quantidade de alucinações individuais não relacionadas. […]
Poderíamos nós, se fôssemos assim cérebros numa cuba, dizer ou pensar que o éramos? Vou argumentar que a resposta é «Não, não podíamos ».
Hilary Putnam, Razão, Verdade e História, D. Quixote.
O filme" MATRIX " dá que falar e ...escrever.
Higher Education Supplement do Jornal Times, 16 de Maio de 2003
O filme Matrix levou muitas mentes, de outra forma não-filosóficas, a ruminar sobre a natureza da realidade. Mas o cenário apresentado no filme é ridículo: cérebros humanos a serem mantidos em tanques por máquinas inteligentes apenas para produzir energia.
Há, no entanto, um cenário parecido que é mais plausível e uma linha de raciocínio sério que conduz da possibilidade deste cenário a uma conclusão bombástica sobre este mundo em que vivemos. Chamo a isto o argumento da simulação. Talvez a sua lição mais importante é que há uma significativa probabilidade que estejas a viver numa simulação de um computador. Digo isto no sentido literal: se a hipótese da simulação é verdadeira, tu existes numa realidade virtual simulada num computador construído por uma civilização evoluída. Também o teu cérebro é meramente uma parte dessa simulação. Que fundamentos poderíamos ter para considerar esta hipótese a sério? Antes de irmos ao âmago do argumento da simulação, consideremos alguns dos seus preliminares. Um deles é a assunção do “substrato de independência”, isto é, a ideia de que mentes conscientes poderiam, em princípio, ser implantadas não apenas em neurónios biológicos com base em carbono (tais como os que estão dentro da tua cabeça) mas também noutro substrato computacional tal como um processador feito à base de silício.
Claro que os computadores que temos hoje não são suficientemente poderosos para “correrem” (run) os processos computacionais que tomam lugar no teu cérebro. Mesmo se fossem, não saberíamos como os programar para fazer isso mesmo. Mas, em última instância, o que te permite ter experiências conscientes não é o facto de que o teu cérebro seja feito de uma matéria biológica peganhosa, mas o facto de que ele tem uma determinada arquitectura computacional. Esta assunção é largamente aceite (ainda que não o seja de forma universal) entre os cientistas cognitivos e os filósofos da mente. Para aquilo que interessa a este artigo vamos considerá-la verdadeira.
Aceitando o “substrato de independência”, é possível, em princípio, implantar um cérebro humano num computador suficientemente rápido. Fazê-lo requereria hardware muito poderoso do qual ainda não dispomos. Também requereria capacidades de programação avançadas, ou formas sofisticadas de fazer um scan muito detalhado de um cérebro humano, scan esse que pudesse depois ser “uploadado” (uploaded) para o computador. Ainda que não possamos vir a fazer isto no futuro próximo, a dificuldade parece ser meramente técnica. Não existe nenhuma lei física conhecida ou constrangimento material que impeça uma civilização suficientemente evoluída tecnologicamente de implantar mentes humanas nos computadores.
O segundo preliminar é que podemos estimar, de forma grosseira quanto poder computacional seria necessário para implantar uma mente humana e uma realidade virtual que parecesse completamente realista para que a mente interagisse com ela. Além disso, podemos estabelecer limites mais baixos sobre quão poderosos os computadores de uma civilização avançada seriam. Os futuristas tecnológicos já produziram designs para computadores fisicamente possíveis que podem ser construídos usando tecnologia de produção de nível molecular. O relevante de tal análise é que uma civilização tecnologicamente madura que tenha desenvolvido, pelo menos, estas tecnologias que nós já sabemos serem fisicamente possíveis, poderia construir computadores suficientemente poderosos para “correrem” um número astronómico de mentes semelhantes às humanas, apenas usando uma pequena fracção dos seus recursos disponíveis nesse propósito.
Pode não haver nenhuma forma de observação directa de saber se tu és uma dessas mentes; a realidade virtual em que estarias a viver pareceria e seria sentida por ti como sendo perfeitamente real. Mas tudo o que isto nos diz, até agora, é que tu nunca poderias estar completamente certo de que não estás a viver uma simulação. Este resultado é apenas moderadamente interessante. Tu poderias ainda olhar para a hipótese de simulação como algo demasiado improvável para ser levado a sério.
Chegamos agora ao âmago do argumento da simulação. Isto não tem como propósito demonstrar que estás dentro de uma simulação. Ao invés, mostra que devemos aceitar como verdadeira pelo menos uma das seguintes proposições:
(1) A possibilidade de uma espécie no nosso nível presente de desenvolvimento conseguir evitar a sua própria extinção antes de se tornar tecnologicamente madura é tão pequena que é negligenciável;
(2) Quase nenhuma civilização tecnologicamente madura está interessada em “correr” simulações em computador de mentes como a nossa;
(3) Estás, quase de certeza, numa simulação;
Cada uma destas três proposições pode ser à partida implausível, no entanto, se o argumento da simulação for correcto, pelo menos, uma delas é verdadeira (não sabemos qual delas).
O argumento da simulação comporta, na sua completude, aspectos da teoria da probabilidade e outros formalismos, mas a sua essência pode ser entendida em termos puramente intuitivos. Supõe que a proposição (1) é falsa. Então, uma fracção significativa de todas as espécies no nosso nível de desenvolvimento tornar-se-ão, eventualmente, maduras tecnologicamente falando. Supõe ainda que (2) também é falsa. Então, uma fracção significativa de todas as espécies no nosso nível de desenvolvimento que se tornou madura tecnologicamente irá usar uma parte dos seus recursos computacionais para “correr” simulações informáticas de mentes como as nossas. Mas, como vimos anteriormente, o número de mentes simuladas que qualquer civilização tecnologicamente madura desse género poderia “correr” seria astronomicamente grande.
Por conseguinte, se ambas (1) e (2) são falsas, haverá um número astronomicamente elevado de mentes simuladas como as nossas. Se trabalharmos os números, descobrimos que haveria um número muito maior de mentes simuladas do que de mentes não simuladas a “correr” em cérebros orgânicos. Por outras palavras, quase todas as mentes como a tua, tendo tido os mesmos tipos de experiências que tu tiveste, seriam simuladas e não biológicas. Por isso, por um princípio de indiferença muito fraco, terias de pensar que tu provavelmente és uma dessas mentes simuladas em vez de seres uma da
Assim, se pensas que (1) e (2) são ambas proposições falsas, deves aceitar (3). Não é coerente rejeitar as três proposições. Na realidade, não temos muita informação específica para dizer qual das três proposições pode ser a verdadeira. Nesta situação, pode ser razoável distribuir a nossa credibilidade toscamente de forma igual entre todas as três possibilidades, dando a cada uma uma probabilidade substancial.
Consideremos as opções mais em pormenor. A possibilidade (1) é relativamente simples. Por exemplo, talvez haja uma tecnologia altamente perigosa que cada civilização suficientemente avançada produza que acabe por destruir essa civilização. Esperemos que esse não seja o nosso caso.
A possibilidade (2) requer que haja uma forte convergência entre todas as civilizações suficientemente avançadas: quase nenhuma delas está interessada em “correr” simulações computorizadas de mentes como as nossas e quase nenhuma delas contém nenhum indivíduo relativamente saudável que esteja interessado em fazer isso mesmo, sendo livre para isso. Podemos imaginar várias razões que podem levar algumas civilizações a renunciar fazer simulações mas para (2) ser verdadeira, virtualmente todas as civilizações teriam de fazer isso. Se isso fosse verdade, constituiria um constrangimento interessante à evolução da vida inteligente avançada.
A terceira possibilidade é aquela que é filosoficamente mais intrigante. Se (3) é correcta, tu estás, quase de certeza, a viver agora numa simulação de computador que foi criada por uma civilização avançada. Que implicações empíricas decorrem daqui? Como devia isso mudar a forma como vives a tua vida?
A tua primeira reacção poderá ser pensar que se (3) é verdade, então todas as apostas estão canceladas, e que uma pessoa ficaria louca se pensasse seriamente que estava a viver numa simulação.
Argumentar seria portanto um erro. Mesmo que estivéssemos numa simulação, a melhor maneira de prever o que aconteceria a seguir na nossa simulação seria ainda usar os métodos comuns – a extrapolação de tendências anteriores, construir um modelo científico, usar o senso comum e por aí fora. Numa primeira aproximação, se pensasses que estavas numa simulação, devias continuar com a tua vida da mesma forma como se estivesses convencido que estavas a viver uma vida não simulada no nível mais baixo/básico da realidade.
A hipótese da simulação pode, no entanto, ter efeitos mais subtis no comportamento racional quotidiano. Até ao ponto de pensares que compreendes os motivos dos simuladores e que podes usar essa compreensão para prever o que acontecerá no mundo simulado que eles criaram. Se pensares que há uma hipótese de o simulador deste mundo ser, por acaso, um descendente realista de um cristão fundamentalista contemporâneo, poderás conjecturar que ele ou ela configurou a simulação de tal maneira que os seres simulados serão recompensados ou punidos de acordo com um critério moral cristão. Um mundo depois da morte seria, claro, uma possibilidade real para uma criatura simulada (que poderia ou continuar numa simulação diferente depois da morte ou mesmo ser “uploadada” (uploaded) para o universo do simulador e talvez ser fornecida com um corpo artificial lá). O teu destino nessa vida depois da morte poderia ser feito de modo a depender da forma como te comportaste na tua simulação encarnada presente. Outra razão possível para “correr” simulações inclui o lado artístico, científico ou recreativo. No entanto, na ausência de fundamentos para esperarmos encontrar um tipo de simulação em vez de outro, temos de voltar aos métodos empíricos comuns para podermos continuar com a nossa vida no mundo.
Se estamos numa simulação, será possível sabermos isso com certeza? Se os simuladores não quiserem que o descubramos, provavelmente nunca o faremos. Mas se eles escolherem revelar-se, podem fazê-lo. Talvez uma janela informando-te desse facto apareça à tua frente, ou talvez eles te “uploadem” directamente para o mundo deles. Outro acontecimento que nos permitiria concluir com um grau elevado de certeza que nós estamos numa simulação era chegarmos ao ponto onde poderíamos ligar (switch on) as nossas próprias simulações. Se pudéssemos “correr” simulações, isso seria uma evidência forte contra (1) e (2). O que nos deixaria apenas com a proposição (3).
(Trad. de Miguel Antunes)
Fonte: http://www.simulation-argument.com/
terça-feira, 10 de março de 2009
Sobre MATRIX
«Vou supor, por consequência, não o Deus sumamente bom, fonte da verdade, mas um certo génio maligno, ao mesmo tempo extremamente poderoso e astuto, que pusesse toda a sua indústria em me enganar. Vou ditar que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons, e todas as coisas exteriores não são mais que ilusões de sonhos com que ele arma ciladas à minha credulidade. Vou considerar-me a mim próprio como não tendo mãos, não tendo olhos, nem carne, nem sangue, nem sentidos, mas crendo falsamente possuir tudo isto. Obstinadamente, vou permanecer agarrado a este pensamento e, se por este meio não está no meu poder conhecer algo verdadeiro, pelo menos está em meu poder que me guarde com firmeza de dar assentimento ao falso bem como ao que aquele enganador, por mais poderoso, por mais astuto, me possa impor. Mas isto é uma empresa laboriosa, e uma certa preguiça reconduz-me ao modo habitual de viver. Como um cativo que frui em sonhos uma liberdade imaginária, quando mais tarde começa a desconfiar que dormia teme que o acordem e conspira negligentemente com estas agradáveis ilusões, espontaneamente recaio nas opiniões antigas e receio acordar.»
Descartes, Meditações Sobre a Filosofia Primeira (Primeira Meditação)
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«Não devemos hesitar em levar Matrix a sério: estaremos, eu que escrevo estas linhas e tu que as lês, actualmente ligados à Matrix descrita por Morfeu? Três hipóteses são possíveis:
(H1) Não estamos na Matriz, visto que se estivéssemos, não o poderíamos saber assim tão facilmente. Nesse caso, ou a) Matrix é um simples filme de ficção científica para jovens adeptos dos jogos vídeo, ou b) Matrix poderia ser uma advertência e até mesmo uma premonição, que nos previne que a humanidade corre o risco de ficar prisioneira, daqui a dois séculos, de uma simulação do mundo dos finais do século vinte, no qual ainda vivemos actualmente.
(H2) Nós estamos na Matriz, mas as máquinas que a criaram já não a controlam e não conseguem impedir que os rebeldes – máquinas ou humanos – divulguem no interior da Matriz o filme Matrix e revelar assim a verdade à humanidade. Podemos então pensar que esta vai em breve ser libertada da Matriz de uma maneira ou de outra.
(H3) Nós estamos na Matriz, mas esta é tão perfeita que nos recusamos a acreditar na sua existência; tomamos o filme Matrix por uma obra de ficção científica, embora ele descreva a nossa situação real.»
T. Bénatouïl, «Sommes-nous dans la Matrice?» in Matrix, machine philosophique, Ellipses, p. 110
segunda-feira, 9 de março de 2009
Ainda sobre MATRIX...
A GRANDE ENCENAÇÃO OU A GRANDE REVELAÇÃO?
José Caselas
A trilogia Matrix representa um interesse filosófico relevante capaz de estabelecer uma ponte entre professores e alunos no que respeita ao tratamento de temas filosóficos. A bibliografia disponível na Net são os vários ensaios filosóficos em
http://whatisthematrix.warnerbros.com/rl_cmp/phi.html e que se intitulam genericamente Philosophy & The Matrix.
Aqui encontram-se análises bem curiosas e rigorosas sobre as abordagens ao filme. Como bibliografia de apoio podemos ainda sugerir: Yeffeth, Glenn (org), Taking the Red Pill: Science, Philosophy and the Religion in the Matrix, Benbella Books, 2003; Matrix, machine philosophique, Ellipses, 2007; William, Irwin, The Matrix and Philosophy: Welcome to the Desert of the Real, Open Court, 2002; Lawrence, Mait, Like a Splinter in Your Mind: The Philosophy Behind the Matrix Trilogy, Blackwell Publishing, 2004. Sobre o filme foi organizado na Alemanha um Simpósio que contou com a presença de filósofos, realizadores, dramaturgos e outros disponível em
http://on1.zkm.de/netcondition/navigation/symposia/default
onde se pode destacar o texto de Salvoj Zizek, «The matrix or The two Sides of Perversion».
Como diz Colin McGinn (The Matrix of Dreams), em Philosophy & The Matrix (P&M), as máquinas são um modelo de administração carinhosa de gado (models of caring livestock husbandry), uma vez que criaram um mundo de sonho e sem muita dor para os humanos poderem fornecer-lhes energia. Esta alucinação consciente ou sonho acordado mantém os humanos no seu útero pré-natal onde vivem um mundo simulado.
O personagem Cypher, o traidor do grupo, qual Judas, prefere o mundo de sonho, o prazer artificial da ignorância abençoada; para ele a verdade pouco vale se não vier acompanhada da felicidade. Aqui podemos perguntar o que é melhor: o conhecimento ou a felicidade.
O mundo da Matrix não é cartesiano, uma vez que Descartes se lança na dúvida com a certeza engatilhada – o seu abalo é apenas aparente. A sombra tutelar de Deus permanece como pano de fundo oculto das suas hesitações, daí que ele salte rapidamente da dúvida para a certeza com a alegria de um neófito empossado no clube das intuições seguras. Apesar de tudo, a hipótese cartesiana do animal-máquina deu origem a um animado debate no séc. XVIII entre materialistas, empiristas, cépticos, etc que oscilavam entre a materialidade do corpo e a espiritualidade da alma, com nomes como La Mettrie com a obra L’homme-Machine (1748), Boullier, Essai philosophique sur l’âme des bêtes (1728) e Condillac com o seu Traité des animaux (1755). A Matrix é um espectro do mundo totalitário, um mundo vigiado; nesse caso o filme realiza o sonho de abafar continuamente os insolentes, os que pretendem uma liberdade absoluta, como advoga Michael McKenna em «Neo’s Freedom… Whoa!» Se a matrix é um sistema de controle, como diz Morpheus logo no início, Neo é o insubmisso, o que não aceita a servidão, o rebelde que assume as suas escolhas, a sua vontade livre. O que é uma vontade livre? No interior da matrix os seres humanos estão sujeitos a uma vigilância constante por parte de programas (Agent Smith) que escrutinam a irreverência e repõem as falhas (ver «Recorde mundial» e «Além» do Animatrix), e no exterior – no mundo devastado – são as sentinelas que se encarregam disso, máquinas que se movem rapidamente com múltiplos olhos. A matrix não existe sem um sistema de vigilância e sem um modo de constituição de subjectividade, visto que não é permitido nem sequer uma rebeldia simulada. Por que motivo não conceder a ilusão de uma liberdade absoluta no interior do software, na fábrica de ilusões? Se a cidade das máquinas programa uma simulação, esta ainda assim se aproxima da coerção clássica onde reina o medo, a incitação à obediência e à docilidade. O corpo real confinado nesse ventre, nessa matrix, no útero que serve de meta-realidade para produzir energia divaga no mundo dos sonhos quase da mesma forma que na sua clausura, isto é, preso da norma e do limite. Apenas Neo quebra essa norma, Morpheus também é um rebelde à sua maneira no sistema de Zion. Neo, o rebelde, chega mesmo ao ponto de controlar o seu sonho, a realidade induzida pelas máquinas. Trata-se do que Colin McGinn designa como os sonhadores lúcidos e, neste caso, Neo é um deles, capaz de dirigir a sua imaginação e assumir as suas escolhas, apesar das máquinas soberanas. Se cada um está no seu casulo como é que existe a interacção? Como lidamos com as outras pessoas? Somos nós que participamos no seu sonho ou eles que entram no nosso? A questão da intersubjectividade ou sonho colectivo articula-se com o nosso conhecimento do mundo. Se pressupomos que o nosso mundo é real para nós, como sabemos que as outras consciências o vêem da mesma forma? Como diz Iakdvos Vasilou (Reality, what matters, and the Matrix), as pessoas encontram-se entre a escravidão e o engano – Deus é um programa de computador.
Neo não acredita no destino; ele prefere a liberdade de escolha lutando contra os programas sencientes. Mas terá uma liberdade absoluta? Aparentemente ele vence a própria causalidade do mundo programado, conseguindo deter as balas e voando, proezas que não estão acessíveis aos demais sonhadores.
Há quem prefira antecipar o mundo pós-apocalíptico. Kevin Warwick (The Matrix – Our Future?) em P&M, implantou uma espécie de bio-portas no seu sistema nervoso ligando-se ao computador de modo a alterar a sua individualidade. Ele conseguia abrir portas e acender as luzes num quarto, tendo todos os movimentos do corpo monitorizados. Afirma que se sentia feliz com esse Big Brother vigiando o seu comportamento. Muitos autores afirmam que a inteligência artificial e o aparecimento de robots sencientes é inevitável e que é grande a probabilidade de estarmos num universo simulado (Ver o argumento da simulação de Nick Bostrom em www.simulation-argument.com). Será que a sua moralidade é a mesma do que a dos humanos ou será drasticamente diferente? Escreve T. Bénatouil: «Todavia, de um ponto de vista estritamente político (e não moral ou teológico), pouco importa que as máquinas exercem ou não o seu poder de modificar ou de destruir a história humana na Matriz. A injustiça reside apenas no facto de a humanidade estar sob o controle de uma outra potência que ela própria.» [“Sommes-nous dans la Matrice?” in Matrix, machine philosophique, p. 118]
A liberdade pura de Neo contrasta com a razão providencialista de Morpheus, crente no futuro do mundo devastado, o deserto do real, encurralado pela ilusão. A liberdade pode coexistir com a técnica? O encontro de Neo com o Conselheiro Hamann tem como objectivo pensar a relação de co-dependência entre as máquinas e o homem. Como se iniciou a guerra homem-máquina? Talvez a incapacidade de o homem perceber que as máquinas não são apenas instrumentos.
Portanto, em Matrix, a grande revelação coincide com a grande simulação: o que é revelado é que nos encontramos num universo encenado (de cartão colorido por bits) e que estamos sujeitos a um controle total, uma dominação absoluta, por parte de uma instância maquínica, seja ela a velha metáfora orwelliana do Big Brother ou a imagem distorcida do capitalismo impiedoso. O que importa é então a rebeldia como modo de ser ético e não a figura de um Messias salvador. No fim da trilogia percebe-se perfeitamente que Zion continuará sendo um reduto desvanecido de um mundo destroçado. Neo não liberta os milhões de seres humanos da sua condição de existentes quiméricos. A desertificação do real tem que coexistir com a tecno-cultura e, pior ainda, está submetida a esta entidade não humana, um sistema de controle irreversível. A única bênção de que dispomos é a ignorância voluntária de Cypher, uma espécie de felicidade artificial (paraísos artificiais?) forjada no engano. Assim sendo, Matrix não difere dos universos paralelos que o consumo de drogas duras produz num autêntico castelo de cartas que estilhaça o corpo e a mente.
O interessante ensaio de T. J. Mawson (Morpheus and Berkeley on Reality) em P&M, coloca a grande questão de toda a filosofia do conhecimento: Como é que sabemos se as nossas ideias se assemelham às coisas que pensamos? Estando ou não na matrix tudo parece uma «incontornável ilusão»; imaginar a realidade sem saber se é verdadeira ou não. Podemos comparar as nossas ideias com as das outras pessoas? É possível sair por momentos do ponto de vista humano? E se o mundo de Zion e da Nebuchadnezzar é uma matrix de outro nível como nos jogos de computador? Provavelmente estaríamos dentro de uma realidade virtual dentro de uma realidade virtual dentro de… e assim por diante. E em que realidade está o Arquitecto? Se optarmos pela solução platónica, apenas as ideias são reais. Mas a ideia que Morpheus faz do cockpit da sua nave não será a mesma do que das ruas da matrix?
Para Rousseau, aqueles que pretenderem separar a política da moralidade nunca entenderão nenhuma das duas. Serão as máquinas com inteligência artificial um dia capazes de assumir atitudes políticas? E o que significa isto? Ser político, como já dizia Aristóteles, implica utilizar o discurso para exprimir o útil e o prejudicial, o justo e o injusto. Para ele, é necessário possuir o sentimento do bem e do mal e sobretudo viver em cidade. Mas essa questão já matrix parece ter resolvido ao erigir uma cidade das máquinas falantes e conscientes. Julia Driver no seu ensaio «Artificial Ethics» (P&M) considera que a moralidade das ciber-pessoas no filme é equivalente à humana visto que o programa possui consciência. Eles não são como os loucos porque agem com uma intenção e com uma escolha voluntária. Mas se assim fosse quem puniria os danos virtuais do Agente Smith? Não estaria(m) ele(s) acima da justiça? O Arquitecto no segundo episódio da trilogia “obriga” Neo a escolher entre duas portas, mas quem constrange as máquinas? A impunidade das máquinas representaria o absoluto constrangimento dos humanos, visto que estes se encontram sob o seu jugo. Nesse caso, o universo de Matrix, esse mundo de sonho/pesadelo aproxima-se do universo totalitário, onde vigora de forma permanente o estado de excepção e onde a morte do Outro fica sempre impune. Nesse caso, todos os humanos se transformam em vida nua à mercê dos danos que as máquinas entendessem infligir, sem qualquer propósito racional – um mundo de pura instrumentalidade, visto que o homem está reduzido à utilidade de produtor de energia. O seu bios, o seu corpo, é apenas um mero instrumento ao serviço da cidade das máquinas. Universo biopolítico portanto esta visão que resulta de Matrix onde não existe realmente vontade livre e tudo se encontra determinado. Quem se rebela é perseguido e «morto» virtualmente. Ora essa morte virtual implica a morte real do corpo inserido no casulo. Não há, assim, imortalidade em Matrix, logo toda a religião é impossível – não passa de mais uma simulação. O universo fechado de Matrix não tem saída. É o nosso futuro? É isto que autoriza Zizek a fazer a comparação com o nosso mundo actual. Se é que já não estamos no interior de uma Matrix… «Esta atitude paranóica adquire um reforço posterior com a actual digitalização das nossas vidas quotidianas. Quando a nossa inteira existência (social) é progressivamente externalizada-materializada no grande Outro da rede de computador, é fácil imaginar um programa maligno apagando a nossa identidade digital e privando-nos da nossa existência social, tornando-nos não-pessoas.» (The Matrix or The Two Sides of Perversion)
De facto, que vida social pode existir nesse limbo uterino?