quarta-feira, 11 de março de 2009

O filme" MATRIX " dá que falar e ...escrever.

O argumento da simulação: Porque é que a probabilidade de estares a viver numa
Matrix é bastante elevada.
Nick Bostrom

Higher Education Supplement do Jornal Times, 16 de Maio de 2003

O filme Matrix levou muitas mentes, de outra forma não-filosóficas, a ruminar sobre a natureza da realidade. Mas o cenário apresentado no filme é ridículo: cérebros humanos a serem mantidos em tanques por máquinas inteligentes apenas para produzir energia.
Há, no entanto, um cenário parecido que é mais plausível e uma linha de raciocínio sério que conduz da possibilidade deste cenário a uma conclusão bombástica sobre este mundo em que vivemos. Chamo a isto o argumento da simulação. Talvez a sua lição mais importante é que há uma significativa probabilidade que estejas a viver numa simulação de um computador. Digo isto no sentido literal: se a hipótese da simulação é verdadeira, tu existes numa realidade virtual simulada num computador construído por uma civilização evoluída. Também o teu cérebro é meramente uma parte dessa simulação. Que fundamentos poderíamos ter para considerar esta hipótese a sério? Antes de irmos ao âmago do argumento da simulação, consideremos alguns dos seus preliminares. Um deles é a assunção do “substrato de independência”, isto é, a ideia de que mentes conscientes poderiam, em princípio, ser implantadas não apenas em neurónios biológicos com base em carbono (tais como os que estão dentro da tua cabeça) mas também noutro substrato computacional tal como um processador feito à base de silício.
Claro que os computadores que temos hoje não são suficientemente poderosos para “correrem” (run) os processos computacionais que tomam lugar no teu cérebro. Mesmo se fossem, não saberíamos como os programar para fazer isso mesmo. Mas, em última instância, o que te permite ter experiências conscientes não é o facto de que o teu cérebro seja feito de uma matéria biológica peganhosa, mas o facto de que ele tem uma determinada arquitectura computacional. Esta assunção é largamente aceite (ainda que não o seja de forma universal) entre os cientistas cognitivos e os filósofos da mente. Para aquilo que interessa a este artigo vamos considerá-la verdadeira.
Aceitando o “substrato de independência”, é possível, em princípio, implantar um cérebro humano num computador suficientemente rápido. Fazê-lo requereria hardware muito poderoso do qual ainda não dispomos. Também requereria capacidades de programação avançadas, ou formas sofisticadas de fazer um scan muito detalhado de um cérebro humano, scan esse que pudesse depois ser “uploadado” (uploaded) para o computador. Ainda que não possamos vir a fazer isto no futuro próximo, a dificuldade parece ser meramente técnica. Não existe nenhuma lei física conhecida ou constrangimento material que impeça uma civilização suficientemente evoluída tecnologicamente de implantar mentes humanas nos computadores.
O segundo preliminar é que podemos estimar, de forma grosseira quanto poder computacional seria necessário para implantar uma mente humana e uma realidade virtual que parecesse completamente realista para que a mente interagisse com ela. Além disso, podemos estabelecer limites mais baixos sobre quão poderosos os computadores de uma civilização avançada seriam. Os futuristas tecnológicos já produziram designs para computadores fisicamente possíveis que podem ser construídos usando tecnologia de produção de nível molecular. O relevante de tal análise é que uma civilização tecnologicamente madura que tenha desenvolvido, pelo menos, estas tecnologias que nós já sabemos serem fisicamente possíveis, poderia construir computadores suficientemente poderosos para “correrem” um número astronómico de mentes semelhantes às humanas, apenas usando uma pequena fracção dos seus recursos disponíveis nesse propósito.
Pode não haver nenhuma forma de observação directa de saber se tu és uma dessas mentes; a realidade virtual em que estarias a viver pareceria e seria sentida por ti como sendo perfeitamente real. Mas tudo o que isto nos diz, até agora, é que tu nunca poderias estar completamente certo de que não estás a viver uma simulação. Este resultado é apenas moderadamente interessante. Tu poderias ainda olhar para a hipótese de simulação como algo demasiado improvável para ser levado a sério.
Chegamos agora ao âmago do argumento da simulação. Isto não tem como propósito demonstrar que estás dentro de uma simulação. Ao invés, mostra que devemos aceitar como verdadeira pelo menos uma das seguintes proposições:
(1) A possibilidade de uma espécie no nosso nível presente de desenvolvimento conseguir evitar a sua própria extinção antes de se tornar tecnologicamente madura é tão pequena que é negligenciável;
(2) Quase nenhuma civilização tecnologicamente madura está interessada em “correr” simulações em computador de mentes como a nossa;
(3) Estás, quase de certeza, numa simulação;
Cada uma destas três proposições pode ser à partida implausível, no entanto, se o argumento da simulação for correcto, pelo menos, uma delas é verdadeira (não sabemos qual delas).
O argumento da simulação comporta, na sua completude, aspectos da teoria da probabilidade e outros formalismos, mas a sua essência pode ser entendida em termos puramente intuitivos. Supõe que a proposição (1) é falsa. Então, uma fracção significativa de todas as espécies no nosso nível de desenvolvimento tornar-se-ão, eventualmente, maduras tecnologicamente falando. Supõe ainda que (2) também é falsa. Então, uma fracção significativa de todas as espécies no nosso nível de desenvolvimento que se tornou madura tecnologicamente irá usar uma parte dos seus recursos computacionais para “correr” simulações informáticas de mentes como as nossas. Mas, como vimos anteriormente, o número de mentes simuladas que qualquer civilização tecnologicamente madura desse género poderia “correr” seria astronomicamente grande.
Por conseguinte, se ambas (1) e (2) são falsas, haverá um número astronomicamente elevado de mentes simuladas como as nossas. Se trabalharmos os números, descobrimos que haveria um número muito maior de mentes simuladas do que de mentes não simuladas a “correr” em cérebros orgânicos. Por outras palavras, quase todas as mentes como a tua, tendo tido os mesmos tipos de experiências que tu tiveste, seriam simuladas e não biológicas. Por isso, por um princípio de indiferença muito fraco, terias de pensar que tu provavelmente és uma dessas mentes simuladas em vez de seres uma da
s mentes excepcionais que estão a funcionar com neurónios biológicos.


Assim, se pensas que (1) e (2) são ambas proposições falsas, deves aceitar (3). Não é coerente rejeitar as três proposições. Na realidade, não temos muita informação específica para dizer qual das três proposições pode ser a verdadeira. Nesta situação, pode ser razoável distribuir a nossa credibilidade toscamente de forma igual entre todas as três possibilidades, dando a cada uma uma probabilidade substancial.
Consideremos as opções mais em pormenor. A possibilidade (1) é relativamente simples. Por exemplo, talvez haja uma tecnologia altamente perigosa que cada civilização suficientemente avançada produza que acabe por destruir essa civilização. Esperemos que esse não seja o nosso caso.
A possibilidade (2) requer que haja uma forte convergência entre todas as civilizações suficientemente avançadas: quase nenhuma delas está interessada em “correr” simulações computorizadas de mentes como as nossas e quase nenhuma delas contém nenhum indivíduo relativamente saudável que esteja interessado em fazer isso mesmo, sendo livre para isso. Podemos imaginar várias razões que podem levar algumas civilizações a renunciar fazer simulações mas para (2) ser verdadeira, virtualmente todas as civilizações teriam de fazer isso. Se isso fosse verdade, constituiria um constrangimento interessante à evolução da vida inteligente avançada.
A terceira possibilidade é aquela que é filosoficamente mais intrigante. Se (3) é correcta, tu estás, quase de certeza, a viver agora numa simulação de computador que foi criada por uma civilização avançada. Que implicações empíricas decorrem daqui? Como devia isso mudar a forma como vives a tua vida?
A tua primeira reacção poderá ser pensar que se (3) é verdade, então todas as apostas estão canceladas, e que uma pessoa ficaria louca se pensasse seriamente que estava a viver numa simulação.
Argumentar seria portanto um erro. Mesmo que estivéssemos numa simulação, a melhor maneira de prever o que aconteceria a seguir na nossa simulação seria ainda usar os métodos comuns – a extrapolação de tendências anteriores, construir um modelo científico, usar o senso comum e por aí fora. Numa primeira aproximação, se pensasses que estavas numa simulação, devias continuar com a tua vida da mesma forma como se estivesses convencido que estavas a viver uma vida não simulada no nível mais baixo/básico da realidade.
A hipótese da simulação pode, no entanto, ter efeitos mais subtis no comportamento racional quotidiano. Até ao ponto de pensares que compreendes os motivos dos simuladores e que podes usar essa compreensão para prever o que acontecerá no mundo simulado que eles criaram. Se pensares que há uma hipótese de o simulador deste mundo ser, por acaso, um descendente realista de um cristão fundamentalista contemporâneo, poderás conjecturar que ele ou ela configurou a simulação de tal maneira que os seres simulados serão recompensados ou punidos de acordo com um critério moral cristão. Um mundo depois da morte seria, claro, uma possibilidade real para uma criatura simulada (que poderia ou continuar numa simulação diferente depois da morte ou mesmo ser “uploadada” (uploaded) para o universo do simulador e talvez ser fornecida com um corpo artificial lá). O teu destino nessa vida depois da morte poderia ser feito de modo a depender da forma como te comportaste na tua simulação encarnada presente. Outra razão possível para “correr” simulações inclui o lado artístico, científico ou recreativo. No entanto, na ausência de fundamentos para esperarmos encontrar um tipo de simulação em vez de outro, temos de voltar aos métodos empíricos comuns para podermos continuar com a nossa vida no mundo.
Se estamos numa simulação, será possível sabermos isso com certeza? Se os simuladores não quiserem que o descubramos, provavelmente nunca o faremos. Mas se eles escolherem revelar-se, podem fazê-lo. Talvez uma janela informando-te desse facto apareça à tua frente, ou talvez eles te “uploadem” directamente para o mundo deles. Outro acontecimento que nos permitiria concluir com um grau elevado de certeza que nós estamos numa simulação era chegarmos ao ponto onde poderíamos ligar (switch on) as nossas próprias simulações. Se pudéssemos “correr” simulações, isso seria uma evidência forte contra (1) e (2). O que nos deixaria apenas com a proposição (3).
(Trad. de Miguel Antunes)
Fonte: http://www.simulation-argument.com/

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