domingo, 15 de março de 2009

PROJECTO MATRIX

O Universo simulado II

A máquina de experiências


«Suponham que existe uma máquina de experiências capaz de nos fazer viver qualquer experiência que desejarmos. Neuro-psicólogos esmerando-se no engano poderiam estimular o vosso cérebro, de tal modo que acreditariam e sentiriam estar a escrever um grande romance, arranjar amigos ou a ler um livro interessante. Durante todo esse tempo, estariam a flutuar num reservatório com eléctrodos fixados ao vosso crânio. Será que ligariam essa máquina à vossa vida, estabelecendo antecipadamente um programa de experiências da vossa existência? Se receassem falhar alguma experiência desejável, podemos supor que empresas comerciais já fizeram investigações aprofundadas sobre a vida de inúmeras pessoas. Podem, assim, escolher na sua grande biblioteca ou no seu menu de experiências, seleccionando as experiências da vossa vida para os próximos dois anos, por exemplo. Decorridos esses dois anos, teriam dez minutos ou dez horas, fora do reservatório para escolher as experiências dos vossos próximos dois anos. Certamente que, uma vez no reservatório, deixariam de saber quem eram; pensariam que tudo acontece verdadeiramente. Outros podem ainda conectar-se para conhecer as experiências que desejam, mas não é necessário ninguém ficar desconectado para ajudar os outros (não se preocupem com problemas como o de saber quem opera as máquinas se toda a gente se conectar). Conectar-se-iam ainda assim? Que outra coisa nos pode preocupar que não seja o modo como sentimos a nossa existência interior? Não devem abster-se devido a alguns instantes de perturbação que separam o momento da vossa escolha e o momento em que se ligam à máquina. O que representa um momento de perturbação em comparação com uma vida de felicidade (se assim a escolherem), e porque sentir a mínima perturbação se a vossa decisão é a melhor?


O que nos interessa além das nossas experiências pessoais? Em primeiro lugar, nós queremos fazer certas coisas e não contentarmo-nos em ter a experiência de as fazer. No caso de certas experiências, é somente porque nós queremos, antes de mais, realizar as acções que desejamos ter experiência de as executar ou pensar que o fizemos. (Mas porque desejamos realizar esses actos e não apenas contentarmo-nos em ter essa experiência?) Uma segunda razão para não nos conectarmos, é que queremos ser de uma certa maneira, ser tal ou tal tipo de pessoa. Alguém em vias de flutuar num reservatório é um ponto indeterminado. Não existe resposta à questão: «A que se assemelha uma pessoa que permanece muito tempo num reservatório?» Essa pessoa é corajosa, boa, inteligente, brilhante, afectuosa? Não é que seja simplesmente difícil de responder: Ela não chega a ser nada. Conectar-se a uma máquina é um modo de suicídio. Pode parecer a alguns, presos a uma imagem, que nada do que possamos ser conta se não na medida em que isso se reflecte nas nossas experiências. Mas deveremos surpreender-nos porque nos importamos com o que somos? Por que nos preocupamos apenas com o modo como preenchemos o nosso tempo e não com o que somos?
Em terceiro lugar, o facto de nos conectarmos a uma máquina de experiências limita-nos a uma realidade artificial, a um mundo que não é nem mais profundo nem mais importante do que o que as pessoas podem construir. Não há verdadeiro contacto com uma realidade mais profunda, embora essa experiência possa ser simulada. Muitas pessoas desejam permanecer abertas a tais contactos e podem sondar significados mais profundos*. Isso torna mais claro o nível do conflito respeitante às drogas psicoactivas, que alguns consideram como simples máquina de experiências parciais, e outros como aberturas para uma realidade mais profunda; onde alguns vêem motivos para se conectar à máquina, outros vêem precisamente razões para não a experimentar.»
Nozick, Anarquia, Estado e Utopia (extracto)

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* As visões religiosas tradicionais diferem acerca do ponto de contacto com a realidade transcendente. Algumas afirmam que o contacto produz uma felicidade eterna ou Nirvana, mas elas não estabelecem uma diferença relevante entre a felicidade e uma simples utilização mais longa da máquina de experiências. Outras pensam que é intrinsecamente desejável realizar a vontade de um ser superior que nos criou, embora seja muito provável que ninguém pensaria assim, se descobrissem que tinham sido criados como objectos de diversão por uma criança extremamente poderosa vivendo noutra galáxia ou noutra dimensão. Outras ainda imaginam que é possível fundir-se com uma realidade mais elevada, deixando na sombra o grau de relevância de uma operação dessas, ou a questão de saber onde nos leva essa fusão.

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